Em meio a pesquisas para uma matéria sobre a vida em comunidades, recebo uma mensagem inspiradora de Ani Zamba Chözom. Aos 60 anos, é uma infatigável peregrina do caminho budista, capaz de viajar para qualquer lugar onde os ensinamentos sejam solicitados. Desde o início deste ano, já esteve no Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Hong Kong e, pelos meus cálculos, anda agora por Taiwan.O lugar que ela chama de casa são as terras de Monte Azul, um centro de retiros que fundou na Chapada Diamantina, na Bahia. Ali dorme frequentemente em barraca, toma banho no rio, ensina e pratica sob o céu, em meio à paz das rochas do cerrado.
Aqui vai uma versão editada de sua mensagem:
“Sempre me interessei pelos ideais de desenvolvimento humano, que abrangem a vida em comunidade, e frequentemente me pergunto quais são os pré-requisitos para que isso aconteça. Talvez precisemos primeiro perguntar o que queremos dizer com esta expressão “desenvolvimento humano”, antes de continuar.
O desenvoIvimento humano significa desenvolver nosso potencial humano ou se trata apenas de um ambiente melhor, do ponto de vista das nossas necessidades físicas e desejos? De alguma forma parece que mesmo se pudermos satisfazer todas as nossas necessidades físicas ainda há a sensação de que falta algo – temos que investigar onde está e o que é este algo que falta.
Nossa insatisfação subjacente nunca parece ser eliminada pelo fato de ter mais coisas ou por lutar para manter nossa zona de conforto. Parece estar enraizada em nossa própria psicologia e na forma como percebemos a vida.
Parecemos não entender a fonte de nossa própria experiência de vida. Vemos a vida como algo que está acontecendo conosco, não como algo que é construído pelos nossos próprios processos mentais. Toda nossa educação parece omitir o ponto essencial, que é compreender o que chamamos vida, que é nossa própria experiência básica. Acredito que precisamos ajudar nossa geração mais jovem a desenvolver suas habilidades criativas, desenvolvendo sua capacidade de brincar (aqui ela usou o verbo play, que também quer dizer jogar ou simular situações).
Quando não vemos as coisas como sólidas e como algo que é real, podemos ver infinitas possibilidades surgindo a cada momento. Mas assim que julgamos e colocamos um valor em algo, isso significa que limitamos nossa percepção vendo aquilo de certa forma, sem outra possibilidade, sem o espaço para ver de outro ponto de vista ou de ver o que realmente está acontecendo.
Nossa relação com tudo que não é “Eu” é o caminho. Tudo que não é “Eu” é nossa visão impura e nossa percepção dualista dos fenômenos, que aparentam ser algo separado daquele que percebe. Esta é uma forma ilusória e condicionada de ver e resulta em confusão e sofrimento. Precisamos entender que esta forma distorcida de ver é a causa-raiz de nossos problemas, e não a outra pessoa ou a situação.
Numa comunidade, reconhecemos que todos nós vemos as coisas de maneiras diferentes, por causa dos nossos padrões individuais de condicionamento. Temos que respeitar e compreender as diferentes visões e trabalhar com essas condições para que através da vida em conumidade nós possamos entender o mecanismo da nossa mente e o que constrói a nossa experiência atual.
Estamos partindo numa jornada de descoberta e esta descoberta é nossa própria experiência.”