O desejo é principalmente um impulso.
Você pode desejar salvar o planeta ou libertar todos os seres sencientes do sofrimento.
Mas quando os desejos se entrelaçam com anseio e apegos intensos, nossa experiência demonstra que eles conduzem ao sofrimento.
O desejo geralmente começa com uma imagem. Se a imagem é sedutora e promete prazer, ela dispara uma reação em cadeia. Há uma sede de atrair ou obter o objeto visto na imagem mental. A partir desse ponto, começamos a sobrepor a realidade, percebendo apenas as qualidades desejáveis do objeto. Rapidamente, todas as consequências e aspectos negativos ficam invisíveis.
Experiências prazerosas com frequência dão vazão a mais anseio, já que a pessoa quer sentir de novo a sensação de prazer. Isso gradualmente estabelece um padrão de desejo. Em algum ponto, o prazer pode minguar mas o desejo ainda persiste. Quando uma pessoa constrói um forte desejo por algo que já não é agradável, aí ela realmente está capturada.
Não podemos esperar alguma solução mágica que vá nos livrar subitamente de todos nossos anseios, já que eles foram construídos ao longo do tempo. Mas um treinamento da mente perseverante pode gradualmente erodir essas fortes tendências.
Uma maneira de fazer isso é interromper a identificação com nosso anseio. Geralmente nos identificamos completamente com nossas emoções. Quando somos dominados pelo desejo, somos unos com esse sentimento — ele fica onipresente em nossa mente. A mente, contudo, sempre é capaz de examinar o que está acontecendo com ela.
Tudo que temos a fazer é observar nossas emoções do mesmo modo como observaríamos um evento à nossa frente.
A parte de nossa mente que está consciente do desejo está simplesmente consciente, não está ansiando.
Podemos recuar um passo, compreender que esse anseio não tem solidez, e permitir um espaço suficiente para ele se dissolver nele mesmo.
Deixemos que nossa mente relaxe na paz do estado consciente e desperto, livre da esperança e do medo, apreciando o frescor do momento presente, que age como um bálsamo na queimadura do desejo.Matthieu Ricard (França, 1946 ~)
(texto publicado em seu blog)