29 de agosto de 2011

Um Falso Começo

Kalu Rinpoche

Seung Sahn












Um Falso Começo


Mark Epstein



Assim que comecei a me interessar pelo buddhismo e pela psicologia, tive uma demonstração nítida de como seria difícil conseguir a integração destes dois mundos.

Alguns dos meus amigos organizaram, na casa de um professor de psicologia da Universidade de Harvard, um encontro entre dois preeminentes professores buddhistas que nunca se haviam encontrado antes e que representavam duas tradições que, de fato, tiveram entre si pouco contato nos últimos dois mil anos. Antes que os mundos do buddhismo e da psicologia ocidental pudessem se unir, as várias correntes buddhistas teriam de se encontrar. E nós iríamos presenciar este primeiro diálogo.

Os professores — Kalu Rinpoche, do Tibet, de setenta anos, um veterano com sua experiência de anos de retiro solitário, e o mestre Zen, Seung Sahn, primeiro Zen coreano a ensinar nos Estados Unidos — testariam seus conhecimentos em proveito dos espectadores, estudantes ocidentais. Iríamos assistir a uma importante cerimônia que costuma ser chamada de combate do Dharma (o embate de grandes mentes aguçadas por anos de estudo e meditação), e aguardávamos o seu início com a ansiedade que tal encontro histórico nos provocava. Vestidos com suas túnicas drapeadas — a do tibetano, marrom e amarela, a do coreano, cinza escura e negra — os monges entraram acompanhados de uma comitiva de jovens de cabeças raspadas que seriam seus intérpretes. Sentaram-se sobre almofadas, na tradicional posição de pernas cruzadas, e o anfitrião deixou claro que o mestre Zen, mais jovem, deveria começar. O lama tibetano se sentou muito sereno, manuseando um rocal de madeira (mala), enquanto murmurava continuamente Om Mani Padme Hum. O mestre Zen — que adquiria renome por seu método de lançar questões-relâmpago aos alunos até que se sentissem forçados a admitir sua ignorância, para então ouvi-lo gritar: "Conserve essa mente que não sabe de nada!" — tirou de dentro de sua túnica uma laranja, estendeu-a ao lama e perguntou: — O que é isto?

"O que é isto" é a típica pergunta que inaugura um debate, e podíamos perceber que o monge coreano estava preparado para rebater qualquer resposta que lhe fosse dada.

O tibetano continuou na mesma posição, impassível, manuseando o mala, sem fazer um único movimento que indicasse a possibilidade de uma resposta.

— O que é isto? — Insistiu o mestre Zen, segurando a laranja diante do nariz do tibetano.

Kalu Rinpoche se inclinou lentamente para o monge tibetano que estava ao seu lado fazendo às vezes de intérprete, e os dois se puseram a cochichar por alguns instantes. Finalmente o intérprete se dirigiu à platéia e disse:

— Rinpoche diz: "Qual é o problema com ele? Não há laranja no lugar de onde ele vem?"

E o diálogo não foi além.


(Epstein, Mark. Pensamentos sem pensador: uma perspectiva budista para a psicoterapia.
Tradução de Daniela Versiani. Rio de Janeiro: Gryphus, 1996. Pág. 13-14. Para adquirir o livro, clique aqui.)